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cantinho da casa

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Desliga a Televisão

A propósito deste programa de entretenimento que vi no passado sábado na RTP1, um dos sketches foi sobre a religião ligada ao Brasil, e este fez-me lembrar a viagem que fiz  no comboio urbano, na semana passada, ao Porto.

Em frente a mim sentou-se uma jovem bonita, piercing no nariz, vários brincos/ piercings nas orelhas. Vestida de preto, mala de estudante na mão, sorriu.

Logo a seguir, um homem que nos perguntou se nos incomodava sentar-se ali. 

A jovem respondeu que sim, eu também. E sentou-se ao meu lado.

O comboio sai da estação, e o homem começa a dizer umas coisas para a jovem. Nada de provocações, elogios, mas umas palavras que eu não percebi, que ela comentou, e vi que era brasileira.

O homem começou então a falar.

Nasceu em Braga mas há muitos anos que vive em Gaia, que estava reformado, que trabalhou, e casou, em Gaia, e por lá ficou. E que desde que se reformou que gosta de vir almoçar a Braga.

Disse qual era o restaurante e perguntou-nos se sabíamos onde ficava. A jovem disse que não, e eu, que tinha dito ser de Braga, comentei que sabia qual era a rua, mas não o restaurante. Ficou admirado, dizia que é um bom restaurante ( percebi que é um daqueles que serve diárias), mas não dei grande importância. Contou  o que come ( quase sempre bacalhau porque adora ) ,que bebe uns copos, quanto paga, o prazer que lhe dá vir uma, duas , três vezes por semana, almoçar.

Perguntei se vinha encontrar-se com os amigos de Braga, ao que me respondeu que não.

Vinha sempre sozinho, e não se encontrava com ninguém, que os amigos são interesseiros, que não tem amigos, que gosta de andar sozinho.

A jovem ouvia tudo, mas as suas expressões mostravam que a maioria das palavras que ele dizia não entendia ( de vez em quando eu piscava-lhe o olho e sorria),  não só porque ele falava depressa e dizia palavrões ( nada que ofendesse), mas também porque misturava os assuntos: a familia, Braga, os cartões urbanos que o levam para onde ele quer.

Era um homem simpático, fazia-nos rir, e ria-se do que contava.

Uma dada altura, falou da esposa, que mudou para outra religião,  que vai para aquelas igrejas que gritam e sacam o dinheiro aos pobres; que em tempos iam de autocarro para Lisboa; que foi várias  vezes com ela para os encontros, mas como ele não se interessa pela religião, embora respeite todas, que era uma fantochada, deixou de ir; que os pobres  vão à procura de milagres; que a casa do Bispo é grandiosa; que a esposa é importante na igreja, mas ele não se mete no assunto, porque se o dinheiro que gasta é dela, está tudo bem, que faça o que quiser.

Estavamos  em Ermesinde. Às  tantas, fala sobre o Brasil, de o povo ser fanático nestas religiões. A jovem intervém dizendo que não frequenta essa religião, e diz o homem :" Ó, c*%&#+o que você é brasileira!".

A jovem ri-se, e comento eu:" Só agora é que o senhor percebeu que ela é brasileira?!"

O homem pediu desculpa, ela respondeu que não tinha importância, que ele estava a ser simpático, estava a gostar da conversa.

Na verdade, eu também estava a gostar de o ouvir.Era um homem puro naquilo que dizia. E respeitador.

Quando chegamos a Campanhã, ela despediu-se de nós, que íamos para a estação de São Bento, e disse que teve muito prazer em nos conhecer.

Chegados a São Bento, o senhor pegou no saco que trazia e disse-me que dentro dele tinha oito quilos de arroz.

Comentei com os meus botões :"será que não há arroz nos supermercados em Gaia?"

Despediu-se, e cada um de nós seguiu o seu caminho.

Por acaso, eu ia para Gaia.