Hoje recebi um e-mail com várias histórias sobre alguns factos daquilo que eu considero, relações modernas.
Não conheço o seu autor, cujo nome é Tiago Rebelo. Procurei alguma informação sobre este e encontrei a sua bibliografia na página da WOOK, onde tem alguns livros deste autor, em promoção.
Tiago Rebelo é um dos romancistas mais brilhantes das letras portuguesas. Na última década manteve uma produção literária constante e os seus livros tornaram-se há muito presença habitual nos lugares cimeiros das principais tabelas de vendas nacionais. Com títulos disponíveis em diversos países, desde o Brasil a Angola e Moçambique, foi igualmente editado em Itália e na Argentina. Depois dos enormes sucessos aplaudidos pelo público e pela crítica, O Tempo dos Amores Perfeitos e O Último Ano em Luanda, o seu útlimo romance, O Homem Que Sonhava Ser Hitler, editado em 2010 pela ASA, é um magistral e absorvente relato de uma face desconhecida da sociedade actual. A par da actividade literária, Tiago Rebelo tem já uma longa carreira de jornalista, sendo actualmente editor executivo na TVI.
O texto que mais gostei foi este:
Amanhã logo se vê
Preso no trânsito da cidade ao princípio da noite, sozinho no carro, ele pensa nela, lembra-se do dia em que a viu mais bonita do que nunca, com o cabelo molhado do banho acabado de tomar. Era Verão e penteara-o sem o secar. Recorda-se de ter pensado que estava linda, simplesmente perfeita. Agora é Inverno e, não obstante terem passado apenas poucos meses, andam os dois às voltas com o que fazer à vida.
Começa a pingar uma chuva miudinha, liga o limpa-pára-brisas, fica como que hipnotizado pelo seu movimento, pela cadência do barulho surdo das escovas. Fica assim, a pensar nela, como faz durante todo o dia. Ao contrário do resto do mundo, não tem pressa de se livrar do trânsito, que avança metro a metro. Escolhe um CD, ouve Amy Macdonald a cantar ‘Run’. Pergunta-se o que estará ela a fazer nesse momento.
Sentada à frente do computador portátil, na mesa da sala de jantar, em casa, ela distraí-se a ver um catálogo. O indicador direito, pousado na roda do rato, faz deslizar as imagens no ecrã sem que a mente registe verdadeiramente o que os olhos vêem. A mão esquerda brinca com o cabelo, enrolando pensativamente uma madeixa no dedo. Trouxe trabalho para adiantar, mas acabou por deixá-lo de lado. Também se esqueceu de jantar, embora sejam quase oito de noite e só tenha almoçado uma sopa e mordiscado uma maçã a meio da tarde. Está a pensar que, ainda há poucas semanas, fez amor com ele ali mesmo, no seu apartamento, e foi a última vez. Separaram-se logo a seguir, apesar de ambos saberem que se amavam. Havia as razões dela e havia as razões dele. E acabaram em nada.
Ele chega a casa uma hora mais tarde. Passa pela cozinha, descobre uma lasanha pronta a comer no congelador, retira-a da embalagem, enfia-a no microondas. Leva o prato para a sala e janta a ver televisão, a saltitar de canal, a pensar nela.
Ela vai buscar um iogurte ao frigorífico e senta-se comodamente no sofá, descalça, com as pernas encolhidas ao lado do corpo, a ver televisão sem som. As luzes estão apagadas e há fantasmas a bailar nas paredes, da claridade intermitente do ecrã. Ela fita a televisão, a pensar nele.
Ele tem o telemóvel ao seu lado no sofá e pondera telefonar-lhe, mas pensa no que ela disse, no que ela fez, e perde a vontade. Ela está com os olhos fixos no seu, na mão, à espera que toque, mas, como ele não lhe fala, também não lhe liga. Ambos desejam falar um com o outro, mas não o fazem. Ele apaga a televisão, ela faz o mesmo, vão-se deitar a pensar amanhã, logo se vê, mas amanhã só estarão mais afastados do que hoje. E um diria, pensarão, será tarde de mais.