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Saí de casa cedo para encontrar um espaço, se possível à frente, onde pudesse ver a procissão que há anos não via.
Fui para o Largo de Santa Cruz, já se viam as pessoas na berma dos passeios, vi um espaço vazio onde podia acomodar-me.
Mal cheguei, posicionei-me ao lado de um casal que marcava posição cerrada para que ninguém furasse o lugar e se metesse à sua frente.
As pessoas foram chegando, encostavam-se (detesto!) a quem estava à frente, de vez em quando encolhia-me (é aqui que exercito o meu abdominal) praticamente não me mexia para marcar o meu lugar.
Mas as pessoas que desciam a rua e queriam passar para outro lado, viam sempre no lugar onde eu estava, a porta para saírem. E isto gerou comentários parvos de quem estava ao meu lado.
Lera na programa das celebrações que procissão saía às 22h. Até chegar ao local onde estava, demoraria pelo menos trinta minutos. Mas quem estava ao meu lado insistia que a procissão saía às nove e meia. Não se calavam. Eu calada estava.
Atrás de mim, encostou-se uma senhora acompanhada de um casal jovem. Ele, ora falava alemão, ora falava inglês ora falava algo parecido com árabe.
A senhora, pior que as matracas dos farricocos (fui à procissão porque gostava de os ver e ouvir o som das matracas e as chamas dos fugaréus), não se calava.
Em frente a nós, num grande letreiro de uma loja de recordações, lê-se esta palavra em inglês, espanhol, italiano e alemão. Dizia ela: "Braga está uma cidade poliglota. Já viste o letreiro... Que fino!", e lia cada uma das palavras. E ia aproximando-se mais um pouco de quem estava à sua frente. Mais baixa que eu, provavelmente, esperava que alguém se oferecesse para ela passar para a frente.
De quando em vez, o jovem lembrava-se de falar para a esposa em alemão, ou árabe, ou inglês.
Uma dada altura, diz a senhora: " Há tantos espanhois por cá. Nem sei por que vêm. Podiam ir para Sevilha. Fazem uma Semana Santa mais bonita , a procissão é muito mais completa. Esta aqui não presta."
Apeteceu-me virar para trás e dizer-lhe: "Se não presta, por que está aqui?"
O cortejo mostra-se ao fundo da rua, um casal estrangeiro tenta passar para a lado de trás onde nos encontrávamos, mais uma vez protestam por quererem passar entre nós, a senhora baixa-se para tentar tirar fotografias, uma delas bate-lhe no ombro e a outra diz , misturando francês, inglês e português : "ici, não, back!."
A estrangeira levanta-se, dou-lhe lugar para ela passar e digo às "companheiras do lado"; - mas a senhora só quer tirar umas fotografias, ela baixou-se, não sei por que não a deixaram.
"Que tire lá atrás! Era o que faltava, já estamos aqui há imenso tempo, vem ela meter-se à frente".
Calei-me, olhei para trás e vi a estrangeira com um tablet a tentar apanhar o início do cortejo.
A GNR , a cavalo, anuncia que vem a procissão. Atrás destes,os representantes de várias Misericórdias do país. Às tantas, aproxima-se a de Cascais e diz a matraca: "Olha, vem aí a Misericórdia das tias".
Fiquei possessa. Estava farta de ouvir a fulana.
A procissão ia a meio, um dos casais da frente, sai e diz-lhe: "Pode ficar com o lugar, vamos embora".
Apoderou-se do lugar, sem perguntar-me se eu queria ocupar, também, visto que estava ali desde cedo, passou para a frente, acompanhada de uma outra jovem que eu não reparara, e ali ficou, numa posição que me impedia de ver.
Não disse nada. Deixei-me esta quieta e calada porque se dissesse alguma coisa, ela iria reagir, não queria interromper o "quase" silêncio do cortejo.
Às tantas, ouve-se um homem, um dos muitos chicos espertos deste país, ao meu lado direito, dizer: "Anda!"
Olhei e vi que piscava o olho para alguém que indicava que queria que fosse para o seu lado.
O casal da frente diz "O senhor não empurre!"
"Mas eu não empurrei! Nem sequer me encostei a si. Sou gordo, mas nem tanto que me fizesse senti-lo"
A conversa ficou por ali, o chico esperto conseguiu ver melhor que eu o resto da procissão.
Passaram muitos anos que não fui às procissões. Lembrava-me dos muitos empurrões que sempre levei.
Depois decidi voltar, quase sempre ia para a rua da Sé, onde termina o cortejo, tem menos pessoas, vê-se melhor.
Este ano fiquei perto de casa, mas não tenciono repetir porque percebi que pouco ou nada mudou.
As pessoas são broncas, não respeitam ninguém, não sabem ver em silêncio.