Dormi bem. Nem sequer me preocupei com o fim de mundo.
Minha mãe dizia que o fim do mundo acaba quando morremos.
E se um dia acabar, a culpa é nossa. A Terra, se não cuidarmos dela, tornar-se-á um planeta inabitável (para longe esta boca, que quero que os meus herdeiros vivam uma vida com plena saúde e longevidade). Adiante.
Levantei-me às 5:50h. Tomei o pequeno almoço, tratei da minha beleza e, quando vejo o relógio, lembrei-me que o comboio urbano mais rápido para o Porto era às 7:45h.
Deitei-me, não fechei os olhos para não estragar a maquilhagem e esperei que o relógio despertasse às 7:00h.
Mas adormeci (de olhos abertos não, lol). Acordo e reparo que são 7:15h (o sacana não tinha despertado. O que vale é que o tenho adiantado 10 minutos), saio da cama, visto-me , calço-me , tomo um café para despertar e saio às 7:30h em ponto.
Consigo um lugar perto da estação (felizmente o meu carro é pequeno, ficou entre uma carro e o limite do passeio da saída de uma garagem), compro o bilhete e entro no comboio (faltavam 8 minutos para a partida).
Quinze minutos após a partida, vem o revisor, pede-me o cartão (que tenho há um ano), dou-lho juntamente com o recibo, e diz-me: "Não quero o recibo ". Entrega-mo e pega no cartão olha-o e diz: "A senhora não passou o cartão na máquina."
Parva a olhar para ele perguntei: "como?"
"A senhora tinha de passar o cartão na máquina. A multa é de 300 euros. Mostre-me o recibo".
Entreguei-o e comenta: "A senhora comprou a viagem de ida e volta hoje, mas tinha de passar o cartão na máquina."
Quando, onde, como iria eu lembrar-me disto? As minhas viagens de combóio são esporádicas.
Desfazendo-me em pedidos de desculpa comentei:"Raramente viajo de comboio. Não me lembrei que tinha de passar o cartão. Que faço agora?"
Responde-me: "Activei o cartão, mas nunca mais se esqueça. Imagine que a senhora saía em Nine. Viajava gratuitamente"
Mais um pedido de desculpa, e safei-me da multa.
Chego ao Porto, compro um cartão para o metro e vou até ao estádio do Dragão. A partir daqui tinha de andar 1 quilómetro a pé. Nada demais. Gosto de andar. Só que a chuva miudinha era chata. Uma manhã muito cinzenta e nublada lá no Porto.
Chego ao meu destino. Tinha 3 pessoas à minha frente. Ótimo.
Depois de resolver o assunto, e decidida a passar o dia com as minhas sobrinhas e o meu sobrinho neto (que ainda não conheço. Amanhã vem para Braga), mudei os planos, pois tinha de ir à escola entregar uns documentos.
Comboio de Campanhã com partida às 10:50h, ainda tinha tempo de tomar o café.
No café em frente à estação, sentei-me, e enquanto esperava a meia torrada, vejo um casal jovem levantar-se da mesa , junto à porta e virem na direção da minha mesa. Ela com os olhos semicerrados, pareceu-me que era invisual.
Todos os olhos caíram neste casal.
Sentaram-se perto da mesa onde me encontrava.
Entretanto, entra um jovem. Ótimo aspecto. Artista, arquiteto, ou qualquer outra arte, foi o que me pareceu ser e senta-se na mesa ao lado da minha.
Um burburinho gera-se, alguém pergunta se quer que chame uma ambulância e vejo a jovem deitada na cadeira.O companheiro não quer a ambulância e o empregado pede um copo de água morna com açúcar.
As pessoas observavam. A jovem estava pálida, muito pálida. E não era invisual. O mal estar dela fez com que o parecesse.
Entretanto, o jovem da mesa ao lado pede ao empregado: "Uma francesinha".
Os ponteiros do relógio indicavam 10: 20h (rio-me do que vou escrever).
Pergunta e comentário imediatos do empregado: "Uma francesinha?! O senhor sabe o que leva uma francesinha? Estas pessoas vêm do Alentejo e gostam de comer coisas diferentes".
E responde o jovem cliente: "Sei o que é uma francesinha. Já comi. Quero uma francesinha".
E o empregado tenta remediar o que perguntara/comentara:"Sabe, é que as pessoas do sul e os estrangeiros, quando vêm ao Porto, gostam de comer as nossas francesinhas!"
Vem a minha meia torrada, a jovem recupera, o companheiro faz-lhe umas meiguices na perna, os clientes "regressam" ao seu café, croissant, meia de de leite...
Tomo o café, pago e vou direta à estação (desta vez, não me esqueci de passar o cartão na máquina).
O combóio entra na linha, saem os passageiros, entram outros, e eu também.
Vem o revisor, pede-me o cartão e devolve-o.
"Está tudo ok,"pensei.
Do meu lado esquerdo e atrás um lugar, viajavam quatro estrangeiros, três jovens do sexo masculino e uma do sexo feminino que trazia um turbante.
Penso que seriam de países diferentes. Mas eram todos orientais.
Quando o revisor lhes pede o cartão, eis que os olhos voltam-se para ele. Começa a falar Inglês, com alguma fluência, o suficiente para os jovens o perceberem.
Então o que aconteceu? O revisor dizia-lhes que se tinham enganado no comboio. Perguntou-lhes para onde iam.
"Aveiro", respondeu um deles.
Pois é. Os jovens vinham para Braga.
Então, o revisor explica-lhes o que devem fazer.
Continua a sua tarefa de verificar os cartões até que numa das estações ele aproxima-se e diz-lhes que devem sair e esperar pelo comboio que vem em sentido contrário, voltarem a Campanhã e perguntarem qual a linha que deviam embarcar.
Os jovens agradecem e saem.
O revisor senta-se. Passados alguns minutos, ouve-se a sua voz ao telefone: "É para avisar que 4 estrangeiros viajavam no comboio errado. Eles vão para Aveiro. Avisa o número 22 ou 24, não tenho a certeza qual deles faz a viagem para o Porto. Diz-lhes que saíram na estação X e que os deixem entrar".
Gostei da atitude do revisor. E do modo como se exprimiu com os 4 estrangeiros.
A viagem continuou. Cheguei a Braga, vim a casa, fui ao banco, almocei uma refeição ligeira mas saborosa, e fui à escola.
Entreguei os documentos, fui desejar um Feliz Natal aos funcionários e aos elementos da direção.
Passei no Braga Parque, comprei umas prendinhas para duas amigas e aqui estou eu a escrever este meu dia de fim do mundo, que não aconteceu.
Feliz Natal.