"Dê-me uma moeda"
Há cerca de um mês que não ia ao cemitério, doía-me a alma só de pensar que ninguém lá vai e as flores estariam miseráveis.
Ontem, fui ao mercado municipal, comprei flores, preparei os ramos para pôr nas urnas.
E hoje podia chover a cântaros, nada me impediria de lá ir.
Passava das 11h, e depois de ter ido fazer exames de sangue, deixou de chover, o cemitério fecha à hora do almoço, tinha 1h30 para lavar duas campas e pôr as flores.
Meti-me no carro, balde e vassoura, detergente, e lá fui.
Tenho uma capa comprida que uso quando lá vou nestes dias de muita chuva, que comprei há mais de 25 anos, em Espanha.
Ainda bem que fui de manhã, tive a sorte de não ter chovido enquanto lá estive, porque desde a hora do almoço que não pára de chover.
Ora, quando estava a estacionar, surge-me, à frente do carro, um homem que, de vez em quando, anda por lá a pedir a moeda.
Já tinha reparado que ele é mal educado e insulta as pessoas se não lhe dão dinheiro, mas também sei que ele terá algum problema psíquico, e que as pessoas dão-lhe a moeda, ou não lhe dão importância.
Quando abri a porta para sair do carro, com uns modos rudes, diz-me ele: " Dê-me uma moeda"
Respondi que não trazia dinheiro, que lhe daria na próxima vez que fosse, ao que ele reagiu com gestos rudes: " Olha que p*&#@! Sei lá bem quando vem! Olha-me esta p*&#@!"
E, por breves segundos, fiquei estática a olhar para ele, que continuava com os insultos.
Mais atrás estava outro pedinte, que não dizia nada.
Peguei no balde, na vassoura e nas flores, que por acaso pus junto ao banco de trás, e para não levar a carteira comigo, pusera-a na mala do carro, antes de sair de casa. O telemóvel levava-o no bolso das calças. E fechei o carro e segui para o cemitério.
Enquanto limpava as campas, pensava se realmente teria fechado o carro. Se ele tivesse percebido que não, enfim, eu já não sabia o que tinha feito, podia abrir e levar a carteira.
Quando saí, vejo os dois homens, o primeiro olhou-me, sem dizer nada, o segundo continuava calado, mas reparei que tem um tique nas mãos que me fez deduzir que deve haver naquela cabeça um problema grave.
Antes de abrir a porta com o comando, aproximei-me e vi que fechara o carro.
Voltei a pôr tudo junto ao banco de trás, mas não abri a mala para que eles não a vissem cheia e com a carteira.
Segunda-feria, volto lá para pôr círios.
Vou levar moedas para não ter de ouvir os insultos, que me chocaram, e porque com este tipo de homem não vale a pena dizer não.