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cantinho da casa

cantinho da casa

o sonho

Quando eu era criança, não havia pai Natal.

Em minha casa era feito um presépio  com todas as figuras alegóricas de uma aldeia pequena. Algumas ainda guardo numa caixa, outras partiram-se com o decorrer dos anos, mas Nossa Senhora, São José, o Menino Jesus, a vaca e o burro, nunca deixaram de fazer parte das minhas humildes decorações de Natal. 

Minha mãe comprava musgo, fazíamos uma cabana para a Sagrada Família com uma caixa de sapatos revestida com esse musgo, e depois coberta pela eterna, mas sempre na moda, a farinha Branca de Neve. Um rio feito de papel celofane azul fazia mover as velas do moinho, uma ponte em barro, com alguns carneirinhos que se posicionavam para o lado da cabana, sempre com o olhar atento do pastor; as lavadeiras que lavavam a roupa; a banda de música que tocava em honra do Menino, e para finalizar a cena os três Reis Magos, Baltazar, Gaspar e Melchior. A estrela, feita de papel dourado, era colocada por cima da cabana para orientar os Reis no caminho. Este presépio era completado com um pinheirinho de Natal que o meu pai cortava no monte e decorado com bolas vermelhas, estrelas, sinos e,  farinha Branca de Neve.

Com os tempos modernos o presépio foi desaparecendo na decoração de Natal. Não é que não tenha vontade de o fazer, mas porque para arranjar musgo, teria de  ir ao mercado municipal, o que não faço há alguns anos.

Quando era criança, não havia pai Natal e,  nessa altura, as prendas que desejávamos ter eram pedidas ao Menino Jesus.

Se ele nasceu pobre, numa cabana humilde, porque seria ele a dar-nos prendas?,  perguntava-me já  mais crescidinha, mas também não me recordo de perguntar aos meus pais.

Cerca de quinze dias antes do Natal,  a minha mãe dizia que devíamos escrever uma carta, ou um bilhete, ao Menino Jesus e pedir as prendas que gostaríamos de receber. Depois deveríamos colocá-la no marco do correio para que chegasse a tempo de Ele os preparar.

Não me recordo de alguma vez ter pedido bonecas. Nunca as tive.

Escrevíamos o bilhete ou carta e no destinatário , "Menino Jesus, céu".

Lembro-me muito bem do marco de correio onde o colocava. Metia-o direitinho na abertura com tampa para que caísse bem para o fundo não fosse estar repleto de cartas e as nossas já não caberem .

Passo frequentemente na praça onde ainda existe esse marco e onde passava tardes infinitas de brincadeira.Um dia encontrei uma moeda de 5$00 (0,25 €). Não fazia a menor ideia do que fazer à moeda. Mas como era muito gulosa por rebuçados, pirolitos e chocolates, fui a uma mercearia perto da praça e comprei todo o valor em rebuçados.
Quando a senhora me entregou um "cartucho" cheio de rebuçados fiquei sem saber onde meter, pois no estômago não caberiam todos.E a minha mãe iria ralhar-me por ter gasto esse dinheiro em gulodices.

A noite de ceia era sempre bem passada, mas nunca recebíamos as prendas à meia-noite.

Deitavamo-nos sempre ansiosas(os) que a manhã seguinte chegasse rápido para podermos ir à cozinha e ver o que o Menino tinha deixado. Os sapatos eram deixados em cima do fogão para que durantre a noite o Menino descesse a chaminé e deixass lá as prendas.

Numa  noite de ceia de Natal, dormia com a minha irmã mais velha, sonhei com o Menino Jesus. Vestido de branco, aproximou-se da nossa cama e falou comigo. O que me disse não me lembro. Só me lembro de ver um vulto vestido de branco.

Lembro-me de acordar a chorar e dizer à minha irmã que tinha visto o Menino Jesus e que ele falou comigo. Minha irmã dizia-me que eu sonhara. Que era impossível vê-lo porque  Ele tinha de deixar prendas em todas as casas do mundo e não havia  tempo para falar com as crianças.

Sim, sonhara, mas nunca me esqueci da sombra branca que vira.

Acordávamos muito cedo e íamos, os quatro filhos, excitados, para a cozinha ver as prendas do Menino Jesus.
Meias, camisolas, luvas.  E brinquedos, nada!

Tenho uma vaga ideia de alguns  brinquedos,  uma tábua de passar, um fogão, louça, um ferro, mas se foram prendas de Natal, isso não me recordo.

Mas eram sempre bem-vindas aquelas peças quentinhas e fofas. 

O tempo foi passando, os meus pais tiveram netos e a tradição passou do Menino Jesus para o pai Natal. Nós fomo-nos adaptando à mudança deixando para trás o Menino que era e é lembrado  no presépio que  hoje tenho, comprado há alguns anos, também com musgo "incorporado", embora já esteja a precisar de uma nova e verde cobertura.

Este ano o Natal é em minha casa. A família está mais pequena. Os mais velhos já não estão cá.

E porque nesta época lembro sempre o meu sonho de criança "com o Menino Jesus", é este o  meu conto de Natal.