Calendário do Advento - 10
"O menino das línguas de gato"
Terça-feira passada, passei na Sé para ver o Presépio, começava a Missa, só era possível vê-lo no fim, e como havia lugares fiquei atrás para assitir à celebração da Eucaristia da Imaculada Conceição de Maria.
Viam-se alguns casais com crianças, uma mãe teve de sair da igreja porque a filha gritava.
Uma jovem mãe, seguida pela criança que teria cerca de três anos, ocupou o lugar no canto oposto ao banco que estava à minha frente, estavam um pai com um rapazito no outro canto.
A criança, que trazia na mão um pequeno e redondo tupperware com línguas de gato, sentou-se ao lado da mãe e, uma a uma, levava à boca as deliciosas ( adoro!) biscoito, ora se levantava e pousava o tupperware no banco para com os pés trepar a coluna da parede, ora deixava-se estar de pé a comer.
Estava na dele, não fazia qualquer ruído. De quando em vez, olhava para mim, eu sorria com os olhos.
Do meu lado direito, junto à coluna da ala central, estava um pai com uma uma menina que não teria dois anos.
Uma dada altura, o senhor pôs a garota no chão.Ela viu o menino a comer, aproximou-se dele, não falou, e ele deu-lhe uma língua de gato para a mão.
A menina virou costas, foi por trás das pessoas, deu uma volta, o pai sempre atento a olhar para onde ela ia, foi ter com o pai.
Depois de comida a primeira língua de gato, ela voltou a aproximar-se do menino, que lhe ofereceu outra. E a menina deu-lhe um abraço.
E repetiu-se isto umas quantas vezes.E a garota ia dar o seu passeio.
Eu olhava para trás, seguia a menina, percebi que quem estava junto à entrada principal da catedral, estava atento,também, para que ela não se afastasse demais do pai. Mas o pai não deixava passar dez segundos, ia buscá-la.
E foi então que reparei na família.
Ocupava um banco. Contei dois rapazes e uma rapariga,e a mãe. Pela altura das crianças, a filha mais velha teria dezasseis anos, os dois rapazes teriam treze e dez anos, e a menina de colo. Portanto, um casal com quatro filhos que assistiam à missa sem que qualquer um deles desse sinal de não querer estar ali. Só a menina não paráva.
Voltou ao menino. Tentou sentar-se no banco.A mãe dele pegou nela e sentou-a ao seu lado. Mas foi por segundos. A garota desceu do banco, estendeu a mão ao menino para lhe dar outra língua de gato, que caiu no chão. ...E elas estavam a chegar ao fim.
A mãe do garoto, apanhou-a e guardou-a no bolso do casaco. O filho deu outra à menina, ela voltou ao passeio( tenho a certeza que atrás de mim todos estavam a achar piada às duas crianças).
As línguas de gato acabaram, a mãe do menino virou-se para trás fez um sinal ao marido que se aproximou e lhe deu a tampa do tupperware.
Acabadas as línguas de gato, o menino foi à carteira da mãe e tirou dois carrinhos.
Em pontas de pés, tentava pô-los a andar na coluna, ou colocava-os em cima da caixa das esmolas fixa na parede.
A menina voltava ao menino, mas não queria os carrinhos. Não havia mais línguas de gato, foi embora e não voltou mais.
Toda a família da menina foi à sagrada comunhão ( fiquei emocionada ).
Acabada a Missa, o menino e a mãe ainda ficaram algum tempo no banco.
Do outro lado, a família da menina também. Estariam à espera, como eu, que saíssem as pessoas para irem ver o Presépio.
Em toda esta cena das duas crianças, não ouvi as vozes delas.
Geralmente, as crianças não têm paciência para ficar tanto tempo dentro da igreja sem fazer nada.
Os meus sobrinhos netos não conseguem estar quietos ou calados.
E sou das que pensa que os mais pequenos não deviam ir para a igreja com os pais. Todos sabemos que elas não páram e a tendência é para fazer ruído.
Mas estas duas, tiveram um comportamento exemplar. Nenhuma falou, entenderam-se com as línguas de gato, o menino mostrou saber partilhar o que tem.
Por sua vez, ela, sossegada no colo do pai, só deu nas vistas quando foi para o chão e andava de um lado para o outro, estendia a mão ao menino para receber a língua de gato e seguia o seu caminho sem um ruído.
Pensei nesta grande família cristã, que me pareceu ser cheia dos valores que a sociedade de hoje carece: educação, humildade, simplicidade.
A menina foi um bom exemplo disso.
Nunca vi nada igual.