Ontem, saí de casa às 10:30h, tinha uma consulta na Póvoa de Varzim.
Não sei o quanto choveu durante a noite.
Decidi fazer a viagem pela estrada nacional, se tivesse algum problema com o carro, pensei que seria mais fácil encostar e ter ajuda de alguém.
Só que esqueci que a estrada poderia ter lençóis de água, não esqueci os buracos, conduzi com cuidado e atenta a estes.
De Braga a Barcelos o primeiro lençol de água, amarelo da terra, surgiu inesperadamente.Como ia devagar, passei sem que o carro fugisse.
Pensei que o melhor seria deixar passar os carros, veria a água que faziam até que vejo sair de um muro uma verdadeira cascata de água. A partir daqui, os cuidados redobraram.
Já perto de Barcelos, a chuva era mínima, foi possível fazer uma condução mais rápida mas sempre atenta. E até à Póvoa correu bem.
Já dentro do hospital, nada me passaria pela cabeça que seria atendida três horas depois da hora marcada.
Estava desesperada, precisava de comer alguma coisa.
É normal este médico atrasar as consultas.Cerca de uma hora e meia depois, fui ao balcão e perguntei à funcionária se o médico estava, porque não ouvira ele chamar nenhum utente desde que eu chegara.
Respondeu que sim, mas as consultas estavam atrasadas. Mas não me disse o quão atrasadas estavam, porque se tivesse dito, eu teria ido almoçar.
Só depois das duas da tarde ouvi a voz dele chamar alguém.
Entretanto, pouco depois desta hora, entrou um homem, jovem, com uma senhora idosa numa cadeira de rodas.
Passado algum tempo, dirigiu-se ao balcão e perguntou se a consulta para o doutor x (o meu médico) estava atrasada. A resposta foi positiva- Ele reclamava que era uma falta de respeito e de educação a senhora tinha consulta às 12:30h ( a minha era às 11:40h) , ela devia ter prioridade, estava à espera há muito tempo.
A funcionária dizia que não tinha culpa de o médico atrasar as consultas, que elas também sofriam com isso porque também tinham de estar ao serviço até à hora de todas as consultas acabarem.
O homem estava irritado, que também tem problemas de saúde, que não podia estar ali muito tempo.
De repente, entrou uma senhora, que vai directamente ao balcão, e sem tirar a senha, ouvi dizer que o doutor x ( de novo o meu médico) lhe disse que passasse lá entre as 11:00h e as 14:00h, que a atendia, que era rápido.
Fiquei possessa. Já estava a ver que alguns utentes iam passar à minha frente.
De imediato a senhora idosa entrou para o gabinete, e a que acabara de chegar, foi para o gabinete ao lado.
O médico foi ter com esta, uns minutos depois a senhora voltou à sala de espera, ele regressou ao outro gabinete.
Mais alguns minutos, o médico chama-a e entram no gabinete do lado. Passaram cerca de cinco minutos, saíram, e a senhora foi embora.
A consulta da senhora idosa demorou algum tempo, pensei que seria eu a seguir.
Eu não reclamei nada pela idade e condição da senhora, e porque gostaria que me fizessem o mesmo se estivesse no seu lugar ( na minha opinião devia haver um forma de idenficar o utente, aquando da marcação da consulta, e marcarem como prioritário, sobretudo nestas condições).
Eles saíram do consultório, ouço o médico chamar o casal que tinha chegado muito depois de mim. E vinham acompanhados de outro casal, e pelo que vi, os dois homens tinham consulta à mesma hora.
Entrou um dos casais.
Cerca de 15 minutos depois, vejo a mulher que entrara no consultório com o cônjuge, na sala de espera a dizer ao outro casal para entrarem no consultório.
E saíu o primeiro casal, ficaram à espera do outro.
Saíram, foram para o balcão de pagamento, ouço o médico chamar outra pessoa que não eu.
Apeteceu-me perguntar ao casal qual era a hora da consulta, uma vez que chegaram muito depois de mim.
A culpa não era deles.
E via a funcionária que me atendera, de vez en quando, a olhar para mim. Percebeu muito bem que eu estava farta de esperar.
Quando, finalmente, ouvi o meu nome, precisamente três horas depois de dar entrada, e sendo o médico uma pessoa educada e que gosta muito de mim, trata-me por tu, disse, mal entrei no consultório: " Estou zangada consigo. Estou aqui há três horas, sem almoçar, nunca esperei tanto tempo por uma consulta. No máximo duas horas".
Disse ele: "Desculpa.Eu compreendo.Mas as funcionárias não te disseram o tempo de espera das consultas?."
Recebendo uma resposta negativa, comentou ele:" Elas deviam ter informado. Desculpa. Eu tenho de atender os utentes na sua hora, mas hoje correu mal" ( eu até desculpei porque presumo que ele vive no Porto e teria apanhado muita chuva, como eu apanhei. Mas à hora eu estava no hospital).
Ficou esquecido, porque tenho muita consideração por ele.
Meia hora a fazer exames com o técnico, enquanto ele atendia outros utentes.
Depois de receber os exames, chamou-me.
Quando vou a entrar no consultório,não o vi, ia a bater à porta, eis que ele aparece atrás de mim e diz: " Estou aqui. Fui aqui ao lado tratar de uma coisa"( isto em poucos segundos).
Entramos,ele sentou-se na cadeira, eu na minha, e diz ele " Tu és uma pessoa muito educada.Hoje é tão raro encontrar pessoas como tu".
Respondi:" Tenho princípios. Fui educada a respeitar. Os valores fundamentais que eu prezo são educação, o respeito e a humildade. Ah! E a gratidão".
Depois de me dizer que todos os exames estavam bem, que voltava a ver-me dentro de um ano,comentou:" Um ano passa depressa. Parece que foi ontem que te vi. Vejo-te no próximo ano"
Levantei-me.
Ele também, e diz-me: " Dá-me um abraço de bom ano".
E demos o nosso abraço.
Há 14 anos e 7 meses que fiz a cirurgia. Nunca me esqueci desse dia em que, na sala de cirurgias, ele dizia-me: "faz isto, faz aquilo, agora acoloutro... Parabéns. Colaboras muito bem.Nunca tive alguém como tu."
E são palvras como estas que eu esqueço o atraso das consultas.
Quando fui pagar a consulta, disse à funcionária ( só estava uma) que quando as consultas atrasarem, devem informar os utentes do tempo de espera para que, quem chega de manhã e está apenas com o pequeno-almoço, possa ir ao bar e comer alguma coisa.