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cantinho da casa

cantinho da casa

conto de Natal 2022

Uma surpresa de Natal

Era ele um bom e trabalhador homem, fora levado para a Alemanha pelo irmão, com a promessa de ter uma vida melhor. " E quando estiveres acomodado, terás a Sara e os teus filhos contigo", dizia José, ao irmão.
E assim foi.
Vinha apenas no Natal. Nem nas férias de Verão vinha a Portugal. Arranjava outros trabalhos para fazer mais alguns euros e depressa levar a mulher e os filhos para a Alemanha
Sara ficou com os filhos, João, 14 anos, Andreia, 12 e Francisco de 7.
Trabalhava num supermercado, os horários variavam, tinha dias que saía depois das nove, ansiava chegar a casa e deitar os filhos, cozinhar as refeições para os dias seguintes.
Nessas noites que ficava a trabalhar, era a mãe que ia buscar os meninos à escola. Se tinham trabalhos de casa para fazer, a avó sentava-os na mesa da cozinha, e o pouco que sabia das contas ou da gramática, dava-lhes uma ajuda. Depois, dava-lhes de jantar, ficavam por lá até que a filha chegasse e os levasse para casa.
Era uma vida de muito trabalho, mas nos fins-de-semanas que tinha folga, saía com as crianças, levava-as no carro até ao centro comercial, se chovesse, ou à praia, ou ao rio, se estivesse sol.
E as crianças eram felizes. Mas sentiam a falta do pai.
A vinte dias do Natal, as crianças já davam sinal de felicicade, o pai chegaria uns dias antes: "Vamos ao pinhal buscar um pinheiro pequeno, porque é probido cortá-los e devemos preservar a natureza", dizia João.
Mas nesse ano, a mãe disse que não deviam ir ao pinhal, os incêndios do verão desvastaram a floresta: "Vou comprar um pinheiro artificial, fica para sempre, meus filhos".
E assim foi.

Mas as crianças reclamavam que não era a mesma coisa.
Dos anos anteriores, nada foi desperdiçado. Decoraram a nova árvore de Natal com os sinos, as bolas, as estrelas, as luzes, o pai natal, e as bolas de chocolate que a mãe trazia do supermercado para pendurarem na árvore.
"Ficou tão linda, mãe!"
" E este pinheiro também é bonito!", comentou a Andreia.
O mais pequeno queria pendurar os muitos carrinhos de brincar que tinha recebido do padrinho, de presente de aniversário.
A mãe passou um fio em alguns e pendurou-os na árvore. Mais linda ficou a árvore com as coloridas cores dos carrinhos.
As férias de Natal estavam a chegar, Sara continuava no seu trabalho, até que numa das noites que ia buscar os filhos a casa da mãe, recebeu uma chamada do marido.
Estranhou. Àquela hora não era costume ele ligar, não só porque na Alemanha era mais tarde, mas também porque ele sabia da sua rotina, e porque tinham combinado ligar sempre que fosse possível, de manhã, quando os filhos já estavam na escola ou ao fim de semana para falar com os miúdos.
Já em casa, com os filhos deitados, e antes de lhes dar o beijo de boa noite, disse ela:
"Meus filhos, tenho uma coisa para vos dizer ."
"O pai vem mais cedo!"
" Vamos passear pela cidade e vais levar-nos à pista de gelo?"
"Calma, eu vou levar-vos onde quiserdes, sim. Mas a surpresa é outra. Estais preparados?"
"Simmmm", responderam em uníssono.
"Este ano vamos passar o Natal na Alemanha. O pai já comprou as viagens, vamos de avião".
"Oh!", respondeu o João. "Eu quero ficar cá! Eu não quero andar de avião, mãe, tenho medo"
"Fixe!, exclamou Andreia.
O mais pequeno, batia palmas e dizia " Quero o meu pai!"
"Não receies, João. Vamos todos juntos. Não vai acontecer nada demais, e de certeza que vais gostar. Olha, eu nunca andei de avião.Vamos andar por cima das nuvens e ver a terra lá em baixo.Vai ser uma experiência bonita ".
Sara deixava uma semana de férias para esta altura, uma vez que o marido só vinha no Natal, ia ser muito bom os filhos, e ela, conhecerem a cidade onde ele trabalha.
Três dia antes do Natal, viajaram para Dusseldorf. O pai esperava-os cheio de saudades, houve abraços fortes, e beijos.
As crianças, eufóricas, diziam que viajar de avião era fixe, mas a Alemanha tem muitas nuvens cinzentas. E o pai ria-se e dizia que iam gostar da zona onde vive, que tinha uma casa para eles, que ficava perto do rio, tinha um parque grande para brincarem.
A ceia de Natal foi igual à que tinham em casa, não faltou nada. Estavam todos reunidos; os tios e os primos, também. E havia uma grande árvore de Natal que o pai e os tios fizeram.
À noite, quando iam ser distibuídos os presentes, o pai , com as lágrimas nos olhos, disse que tinha um presente de Natal muito especial para eles.
Sara ficou perplexa, ele não lhe havia dito nada, nem sequer algum sinal de que tinha alguma coisa escondida.
"Sara, e meus filhos, que muito vos amo . Quero dizer-vos que não vivo em casa dos vossos tios há uns meses, que aluguei esta casa para sempre e enquanto trabalhar na Alemanha.
Foi para isto que não ia nas férias de verão a Portugal, queria juntar algum dinheiro para vos trazer para cá.
Não sei se um dia vou regressar a Portugal. Mas quero que saibais que as saudades que tenho são muitas. Trazer-vos para este país que me recebeu, foi sempre o meu sonho.
Tenho emprego para ti, Sara, e escola para os nossos filhos. No próximo verão, quando a escola acabar, vou buscar-vos a Portugal, seremos uma família unida, aqui."
"Que bom! Eu quero vir para a beira do pai!" , dizia João.
" E eu também", dizia a Andreia. " E a nossa casa de Portugal, pai?"
" A nossa casa ficará ao cuidado da vossa avó, passamos a ir lá todos os anos, nas férias de verão."
E assim Sara e os filhos emigraram para a Alemanha.
Passaram seis anos, todos os natais eram em família, neste país.


Caíam as lágrimas pelo rosto de Sara. Estava prestes a fazer dois anos que o marido falecera.
Um ataque cardíaco levara-o, estava ele no trabalho.
Continuavam na Alemanha, viviam bem, mas as saudades do marido eram grandes, e estas doíam para sempre.
Era a Ceia de Natal, a família estava reunida.
Andreia aproximou-se dela, abraçou-a, deu-lhe um beijo, e disse:" O meu pai está aqui, no meu e no teu coração. Feliz Natal, mãe."
Sara limpou as lágrimas, sorriu, e abraçou-a.

"Feliz Natal, filha!"

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do desafio da Isabel, o conto de Natal de 2022

um conto de Natal

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Era um menino de três anos que pouco falava. Os sons que emitia seriam mais parecidos com os dos animais da quinta de uma senhora viúva, muito rica, onde os pais trabalhavam.
João comunicava por gestos, apontava para o que queria, percebia tudo o que a mãe e a irmã, de sete anos, diziam. Lurdes, a mãe, nem sempre o entendia, desesperava-se e dizia: " Esta criança não fala nada. Será muda?!"
O marido, para a tranquilizar,  dizia que tinha tempo para falar, que seria um papagaio quando chegasse a sua hora.
Rosinha, a filha, brincava com o menino, dizia-lhe o nome das coisas, mas João não repetia nada, apontava apenas.
O Natal estava a chegar, a senhora viúva vivia sozinha, os filhos estavam fora do país, era a primeira vez que não vinham neste Natal, convidou Lurdes e a sua humilde e trabalhadora família para passarem a ceia de Natal consigo.
A árvore era um pinheiro que o pai cortara na propriedade, foi posto junto àquela lareira que aquecia a sala. As crianças participaram na decoração: estrelas, bonecos e luzinhas eram a alegria das duas, do cão Bobby e da gata Mary.
A senhora viúva gostava destas crianças como se fossem seus netos. Acarinhava-os, comprava roupas que lhes oferecia, eram os seus netos de coração, os de sangue tinham tudo, nada lhes faltava.
Sentar-se à mesa da senhora para quem trabalhava, deixava Lurdes intimidada, gostava de passar o Natal em sua casa, o fogão de lenha aquecia a cozinha onde ceavam à roda da mesa, era o seu Natal, o que sempre teve.
Tomé, o marido, convenceu-a a não deixar a senhora sozinha, era a primeira vez que não tinha os filhos, dava-se um jeito. Afinal a senhora pagava-lhes o ordenado no final do mês, não poderiam deixá-la sozinha. E tanto a convenceu que Lurdes aceitou.
Fez as filhoses, as rabanadas, a aletria, os bolinhos de jerimú, os formigos, para si e para a senhora a quem servia, como era hábito todos os anos.
Na noite de Ceia, na cozinha da senhora, descascou as batatas, preparou as cenouras, a hortaliça, o bacalhau. O marido fora recolher os animais, os filhos brincavam com o Bobby e a gata Mary. De quando em vez, ouvia a senhora falar para o Bobby: " Bobby, pega, dá ao João!". E ouvia-se a bola cair no chão. " Rosinha, atira a bola ao teu irmão". Ouvia João bater palmas e emitir os sons do costume: "au, au!"
A mesa da sala fora a senhora que a pusera. Era uma mesa de ricos. Lurdes sentia-se cada vez mais tímida, não sabia comer com aqueles talheres todos, os copos que brilhavam, os guardanapos de pano com os nomes de cada um dos convidados, a sua família.
À cabeceira da mesa estava o da senhora, o seu e do marido à direita, à esquerda os das crianças.
Foi a senhora que os serviu. As crianças alegravam aquele momento em família, Lurdes esquecera o seu constrangimento, sentia-se mais à vontade naquele ambiente tão acolhedor. De facto a senhora era uma mulher simples, tratava-os como se eles fossem seus filhos.
Depois de jantar, arrumaram-se os pratos e as travessas, puseram-se os doces de Natal na mesa.
E sentados em frente à lareira, a senhora começou a cantar canções de Natal para as crianças. Rosinha conhecia-as de cantar na escola. " au, au!", ou " mé, mé", era este o registo do pequenito.
Naquela casa era tradição esperarem pela meia-noite para entregarem os presentes. Mas em casa de Lurdes não. Deitavam cedo as crianças, no dia seguinte o trabalho era o mesmo: soltar os animais e dar-lhes de cormer.
Os pequenos presentes eram postos no fogão de lenha e no dia seguinte, quando os filhos despertavam, Lurdes levava-os à cozinha para receberem o que o Pai Natal lhes deixara durante a noite.
A senhora viúva, sua patroa, conhecia bem os hábitos desta família. Por volta das onze horas, levantou-se da mesa, aproximou-se do pinheiro, pegou em quatro embrulhos e deu um a cada membro desta humilde família.
Com gestos de gratidão, escorriam as lágrimas dos olhos de Lurdes.
E como as crianças são as primeiras a receber e a abrir os presentes, Rosinha depressa abriu o seu, soltou um grito de alegria: " Obrigada, senhora. Eu sempre quis ter um unicórnio cor-de-rosa." E abraçava o unicórnio, penteava-lhe o cabelo com os seus dedos.
João, que adorava rasgar papel, puxava com força a fita e o papel. Com a ajuda do pai, rasgaram o embrulho. Os olhinhos do menino sorriram. Deu um abraço à caixa. Uma pequena pista com carrinhos, era o seu presente. E de repente, da criança ouviu-se uma pequena frase: " bigada, sheoa".
Dos olhos de Lurdes e Tomé saltaram lágrimas de felicidade.
João dissera apenas duas palavras. Mas falou.
Era noite de Natal. Para Lurdes foi um milagre de Jesus.
E João começou a falar.


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