a chica-esperta
Das cinco bancadas de flores que há no largo junto ao cemitério há anos que compro na senhora Helena, a florista nos seus 70 anos, que tem a filha a ajudá-la, e actualmente o companheiro desta.
A minha mãe faria ontem 89 anos, a minha irmã mais velha faria amanhã 67 anos, fui hoje ao cemitério pôr flores e círios, que faço habitualmente de 15 em 15 dias ou sempre que posso.
Quando cheguei à bancada das flores, uma cadeira com uma caixa de fósforos em cima vedava a passagem para o interior, nenhum dos vendedores por ali, vejo uma senhora com muito boa aparência, também na casa dos 70, que se aproximou e disse que não estava ninguém mas que tinha flores para vender.
Convicta que estaria a guardar a bancada enquanto os donos não chegavam, apontei para as flores brancas que queria, perguntei-lhe o preço, ao que me respondeu que não sabia, que estava ali para vender as suas flores, e apontava para um balde, que estava ali sem ninguém saber, que não mexera em nada, e insistia na compra das suas flores.
Respondi que gostava das suas flores para as jarras de casa, não as queria para o cemitério.
Volto à carga pergunto se sabia onde tinha ido a florista, ela pega no seu balde de flores e põe junto às flores brancas repetia que tinha aquelas para vender, pedia-me que comprasse as suas, até que eu digo-lhe exactamente isto:
- Vou levar círios e flores brancas, por favor, quando a senhora chegar diga-lhe que uma cliente serviu-se do que queria e vem pagar quando sair do cemitério. Ela já sabe, sempre me disse que levasse o que quisesse quando não estivesse aqui, ela confia mim.
E foi então que ela me respondeu:
- E eu sei lá bem dizer quem é a senhora! Ela não me conhece, eu estou aqui para vender as minhas flores. Vá lá, compre, cada ramo custa 1 euro.
Farta de a ouvir, comprei dois ramos de orquídeas.
Insistia para levar um ramo de flores azuis, respondi que não, que queria as brancas da florista e quando me dirijo ao balcão para pegar nos círios, atrás de mim ouço uma voz muito indignada que perguntava o que estava ela a fazer ali.
Virei-me e vejo a filha da senhora Helena, e o companheiro, que teriam ido tomar pequeno-almoço no café que fica do outro lado da praça, com certeza com os olhos postos no estaminé, ter-se-iam apercebido da cena, vieram em defesa do que lhes pertence.
Eu pedi desculpa, disse que pensava que a senhora estaria ali a tomar conta da bancada, que ela insistira comigo para comprar as suas flores, que não sabia quem era aquela senhora.
Educadamente a florista mandou a senhora sair dali, que não tinha nada que invadir um espaço que não lhe pertence, que se queria vender as suas flores que o fizesse longe da sua bancada, que a senhora era uma atrevida.
E a senhora das flores justificava-se que não estava ali para tirar nada, que vira que não estava ninguém, decidira vender as suas flores a quem se aproximasse, e que não fez nada de mais.
A estas palavras, a florista exalta-se, repete que ela é uma atrevida, que invadiu o seu espaço, que saia dali para fora, que não volte a aparecer à sua frente.
Fiquei palerma com tudo isto que nem a vi pegar nas suas coisas e desaparecer.
Comentei com a florista que se ela não tivesse aparecido ia servir-me, a mãe sempre me pusera à vontade, que sabia que eu pagaria na volta. Comprei as flores brancas e os círios.
A cena acabou, mas fiquei com aquela imagem da senhora, nos seus 70 anos, de boa aparência, uma atrevida que não respeitou o lugar de quem ali trabalha, e que mostrou ser mais uma chica-esperta das muitas e muitos que proliferam neste país.