Alzheimer é uma despedida que leva anos...
uma frase que li aqui.
Cheguei do ginásio, estacionei o carro em frente à minha garagem.
Saí do carro, deparo com a minha vizinha da cave, a Glorinha.
92 anos, uma senhora que sempre conheci magra, com uma ligeira corcunda dos anos árduos de trabalho no campo e de levantar cedo para ir vender o que plantava para o mercado, às terças e sábados. Foram muitas as vezes que acordei com o ruído do motor da carrinha que os levava para o mercado, às 6h da manhã.
Nunca teve uma conversa fluída, o vocabulário não era de mais, mas é uma senhora querida e amada por quem aqui vive.
Foi-lhe diagnosticada a doença de Alzheimer há cerca de 6 anos.
Não conhece ninguém, não fala, não reage a nada.
No início do ano, visitei-a.
A filha mais velha estava desesperada porque a Glorinha não queria comer.
Falava com ela : " O que te dói, mãe? Vê quem aqui está! Quem é esta?"
E eu pedia para não massacrar a mãe. O olhar perdia-se na mesa que tinha à sua frente. Não levantava a cabeça. Emita breves sons.
O marido da Glorinha tem 87 anos, um homem corpulento, cuidava do jardim do prédio até há 2 anos.
Começou a definhar, "os ossos não ajudam", dizia ele. Cai, está frágil, também. Quem diria que aquele homenzarrão ficaria tão frágil!
O que lhe vale é a força de vontade que tem para andar a pé, apoiado na bengala.
Mas já não consegue cuidar da Glorinha, durante a noite.
Decidiram contratar duas pessoas. Uma cuida dos dois durante o dia, à noite vem a outra.
As duas filhas mais velhas, nos 60, professoras do 1º ciclo, reformaram-se cedo.
O mais novo terá 53 anos, um rapaz muito paciente, uma jóia. Todos os dias, depois do trabalho, passa em casa dos pais. Por vezes, dorme lá.
Hoje vi a Glorinha sentada numa cadeira de rodas, muita mais magra, sonda no nariz, cabeça tombada para o ombro esquerdo. Apanhava o sol das 13h.
Saí do carro e aproximei-me.
"Quem a viu e quem a vê!", pensei.
A empregada chamava-a para ela olhar para mim. Tentava levantar-lhe a cabeça tombada sobre o ombro.
Pedi para não a forçar.
A Glorinha faz 93 anos em Fevereiro, tem Alzheimer. A despedida da vida está a levar anos...Parece que a morte, que seria seu alívio, não a quer levar.
Dói-me ver a Glorinha neste estado.
Uma vida num corpo sem vida.
Fiquei chocada.
E a minha amiga Alice?
Hei-de falar nela brevemente. Quando vi este fime , jamais me passaria pela mente que a minha amiga, 56 anos, tem Alzheimer. Está internada numa casa de saúde.
Preciso de me despedir de 2016 com a consciência tranquila de que a Alice está, tanto quanto seja possível, bem.