Fui visitar a Alice
Dois meses e meio depois de visitar a Alice, hoje, voltei à Casa de Saúde.
Quando entrei no corredor onde fica a sala da Alice, estavam várias pessoas sentadas num banco, não vi quem eram, dirigi-me à porta quando ouvi uma voz atrás de mim que me chamava.
Olhei para trás e estava ela, sentada nesse banco, com mais duas senhoras.
Fiquei super feliz porque ela viu-me e lembrou-se do meu nome. Da primeira vez ela reconheceu-me mas não conseguiu dizê-lo.
Uma das senhoras perguntou-lhe quem eu era. Respondeu que era uma prima.
Não me manifestei. Uns minutos mais, a senhora aproveitou para despedir-se. E foi convicta que eu era prima da Alice.
Fomos dar uma volta pelo pátio.
Muitas famílias visitavam as raparigas e mulheres internadas. A Alice está lá há cinco meses.
Desde que cheguei até me despedir dela, nunca esqueceu o meu nome.
Mas ela não consegue lembrar-se das amigas que a vão visitar e quando vai contar alguma coisa, diz: " já não me lembro".
No nosso passeio pelos jardins, aproximou-se uma senhora. Baixa, curvada, aparentava uns 70 anos.
Abraçou a Alice.
E dizia que gostava muito dela. Abraçava-a e beijava.
E a Alice retribuia-lhe o carinho.
Às tantas, a senhora conta que costuma limpar o chão, sua tarefa diária.
Ao que parece, há umas quantas senhoras internas que fazem limpeza. Recebem um valor em dinheiro ( penso que deve ser uma pequena retribuição para os pequenos prazeres delas) .
Queixava-se, então, que não lhe pagaram o serviço. Pagaram às colegas e ela foi fechada numa sala onde lhe foi dito que lhe davam comida, não recebia dinheiro. E queixava-se que era injusto trabalhar e não lhe pagarem. E que trabalha muito.
Perguntei-lhe o nome.
Alice, também.
E abraçava a minha amiga Alice e dizia: " Eu sou Alice e gosto muito desta Alice".
Depois perguntou-me o nome. Disse que gostava muito da Alice e se eu sou amiga da Alice, também gosta muito de mim.
Decidi pagar-lhes o lanche.
A minha amiga não quis, tinha lanchado com a amiga que a visitara.
A outra Alice disse que não podia ir ao bar, não tinha autorização de lanchar lá.
Perguntei porquê.
É interna desde os 15 anos. Tem agora 60. E estava ansiosa por sair dali. A família deixara-a lá e nunca mais quis saber dela. Não me soube dizer de onde é. Mas que é de muito onge.
Não fiz mais perguntas.
Dizem-me elas para lancharmos no café.
"Café?!" perguntei.
"Sim", responderam as duas.
Seguia-as.
Depois de passarmos a porta que dá acesso a um longo corredor, percebi logo o que era o café.
Duas máquinas, uma de café, outra de chocolates e sandes, era o café de todas as internas.
Ali ninguém controla nada. A outra Alice pode ter o que quiser, desde que tenha dinheiro.
Pedi que escolhesse o que quisesse.
Escolheu um pacote de cookies.
Meti a moeda de 1 euro. O pacote ficou preso.
Umas simpáticas funcionárias passavam perto, comentaram que com um empurrão aquilo caía. E empurraram à máquina, mas o pacote não cedeu. Teria que pedir na recepção a devolução do dinheiro.
Disse à minha amiga para escolher alguma coisa.
Não queria. Aliás, ela nunca quer nada.
Sempre foi uma rapariga de trabalho, honesta, humilde, divertida, a Alice.
Introduzo uma moeda de 1 euro e carrego nas teclas com o mesmo número do pedido da outra Alice. Talvez o pacote preso caísse.
"Que bom", disseram elas. Caíram os dois pacotes.
Um pacote para cada uma, a outra Alice agradeceu-me, deu-me um beijo e um abraço. Repetiu: " Gosto muito da Alice. Gosto muito de si " e seguiu por onde entraramos.
Eu e a minha amiga fomos corredor fora. Voltamos ao jardim.
A Alice vê a Ana, uma jovem nos 20, que estava com os pais.
Foi ter com ela.
Aproximei-me sem dizer nada. Ela olhava, desconfiada, para mim. E para a Alice, que lhe fazia festas no rosto.
De repente, a mãe fala do cabelo da Ana, que é bonito e muito comprido. Quando a senhora vai à carteira e tira o passe da filha que se via o cabelo mais curto, a Ana levantou-se e diz para a mãe: " Que nojo. Estás a ver porque não queria que guardasses as minhas coisa? Que nojo".
Afastou-se e foi sentar-se na relva de um dos canteiros.
Os pais foram ter com ela.
A Alice diz-me que é melhor irmos embora e seguimos na direcção da sala.
Despedimo-nos com a minha promessa que vou reunir o grupo de amigas e fazermos uma visita e um lanche nos jardins da casa de saúde.
Saí de lá com o coração apertado. Uma mulher cheia de vida, com Alzheimer, parece-me impossível.
Não sei se a Alice virá a sair de lá.