A madame do batom vermelho
A minha garagem fica no cantinho das três que existem nas traseiras do prédio, pelo que, quando não tenha pachorra para a abrir, o carro, que não incomoda ninguém (penso eu), fica estacionado em frente. Deixo espaço suficiente para os vizinhos do r/c entrarem em casa pela portas das traseira (como é hábito do casal e do pai dela).
Ora há cerca de três meses, reparei que na entrada da minha garagem, jaziam, com prazer de poluir o ambiente, umas quantas pontas de cigarro.
Fiquei indignada. Nunca vira tal coisa. Por vezes, o vento traz algum lixo, mas pontas de cigarro, não.
Peguei na vassoura, juntei-as e deixei-as num canto. Não coloquei no caixote do lixo que tenho na garagem porque queria ter a certeza de que o vento não as espalharia.
Elas ficaram por lá, com a agravante de, dia a dia, aumentarem as pontas fresquinhas a provocarem a minha ira.
Num dos dias que estacionei o carro na garagem, vi o vizinho da cave (senhor de 85 anos), não fumador, que também entra em casa pelas traseiras e comentei o caso.
Diz ele: "é o vento que traz".
"O vento? E como é que elas ficam todas aqui junto à minha garagem?"
Ao que prontamente acrescenta: "são os vizinhos daqui de cima!"
"Como? Mas eu nunca os vi fumar!", respondi com admiração.
"Fumam, fumam. Só podem ser eles!" retrocou.
Sempre que abro a garagem e as vejo por ali, dou-lhes pontapés com o propósito de chamar a atenção, caso a madame do batom vermelho esteja por casa, observe os meus gestos e perceba que não gosto nada do que vejo.
Ora hoje, com o carro em frente à entrada (não tinha a chave comigo, não o guardei), fui buscar a caixa onde guardo a Sagrada Família para fazer o meu mini presépio.
Os meus olhos detectaram lá, na entrada, uma ponta de cigarro com marca de batom vermelho.
Fiquei possessa. Dei um pontapé na dita cuja e resmunguei um " que nojo !" (odeio ver as marcas de baton nos copos, nas chávenas, nas pontas de cigarros, nos guardanapos. Odeio!).
Como com esta família, excepto o pai, um senhor humilde que muitas vezes me fez queixa da mazinha e egoísta que a filha é, a minha confiança não passa de bom dia, boa tarde e boa noite, tomei uma decisão para testar a madame do batom vermelho.
Logo que tiver oportunidade, vou pegar na vassoura, junto todas as pontas no canto que dá acesso às escadas da casa da madame do batom vermelho e vou afixar um letreiro na minha garagem com " parece-me que neste prédio não há cinzeiros dentro de casa".