do desafio da Isabel.
1981, o último Natal que a mãe de seis filhos e avó de quatro netos passaria com a sua família.
Tudo foi feito como nos Natais anteriores, depois de os filhos mais velhos casarem.
Fazia-se o presépio.
Arranjava-se o musgo no monte, colocava-se as figuras do pastor com as ovelhas, a lavadeira, os patos no lago azul feito de papel, a ponte por onde passava o pastor com o rebanho, a cabana onde uma estrela feita de papel dourado iluminava o caminho feito de serrim para que os Reis Magos o percorressem, seguindo a sua luz até chegarem à cabana; o boi e o burro, São José e Nossa Senhora, o Menino Jesus deitado na manjedoura.
Colava-se às mãos a resina e picavam-nas as suas folhas, era o pinheiro decorado com fitas, bolas prateadas e douradas, e luzes.
O almoço deste dia era o tradicional arroz de polvo, o manjar delicioso que a minha mãe muito bem cozinhava.
Sentavam-se à mesa o casal e os quatro filhos solteiros.
A ceia era o que melhor se vivia nesta casa.
A tarde passava-se na cozinha a fazer as rabanadas, os doces jerimum ( aqui em casa damos o nome de bolinhos), os mexidos ( nas aldeias, os formigos), a aletria, e bolos de noz e mel.
O pai adorava bolo inglês comprado numa doçaria antiga especializada no seu fabrico.
O cheirinho a canela com açúcar era inebriante.
Ah! E o famoso bolo de bolacha.
Nós, as raparigas, faziam-no.
E queimavam-se os dedos que ficavam escuros de molhar as bolachas torradas no café quente.
A azáfama era grande.
À hora de fazer a ceia, e por que naquele tempo os rapazes eram poupados ao trabalho na cozinha, ajudavamos a descacar as batatas, as cenouras,as cebolas grandes. Lavavam-se as couves, preparava-se o melhor bacalhau, o que tem um sabor especial nesta festa do ano.
Estendia-se na mesa a toalha azul com desenhos prateados, os guardanapos iguais, o serviço de jantar e os copos que eram usados nos dias de festa e nos almoços e jantares com os amigos da família, era um vaivém da cozinha para a sala.
Em cima do guarda-louça, os pratos com a doçaria e o célebre e delicioso bolo-rei de Natal que escondia a fava e a prendinha.
Nesta ceia, os netos, quatro crianças entre os dois e os seis anos, eram a alegria da casa.
E muito ruído das vozes que riam, que falavam alto, que brincavam com as crianças.
A música de Natal "A Todos um Bom Natal" era cantada repetidas vezes pelos pequenos e pelos adultos.
Estômagos satisfeitos, a brincadeira aumentava, e as crianças perguntavam constantemente quando chegava o Pai Natal.
Foi com os netos que foi posto de lado a tradição de que era o Menino Jesus que descia pela chaminé e deixava os presentes nos sapatos que ficavam toda a noite em cima do fogão.
Ora, nesse ano,o filho mais velho decidiu fazer uma surpresa: vestir-se de Pai Natal e distribuir os presentes.
Perto da meia-noite, e com as crianças entretidas com os outros adultos, saiu de casa para se vestir.
Pegara numa almofada para fazer uma barriga bem grande. Uma barba e sobrancelhas feitas com algodão para que as crianças não o reconhecessem.
A algazarra era enorme e quando foi feito o sinal para ficarem em silêncio porque estava na hora do Pai Natal, a campainha tocou.
O Pai Natal entrou na sala e com a voz rouca de um velho, dirigiu-se às crianças e falou com elas.
Estupefactas de entusiasmo e com os olhos cheios de lágrimas, não falavam, tal era a magia daquela pessoa que falava com eles.
Depois, entregou os presentes a cada uma.
E à sua mãe, uma posta de bacalhau que pegara na cozinha.
Despediu-se de todos, e saiu.
Serenamente, o pai, e tio, sem a roupa de Pai Natal, entrou na sala. No meio da confusão dos presentes que eram abertos e os papeis espalhavam-se pelo chão, as crianças não deram pela sua ausência.
Nesse ano, a saúde da nossa mãe não era a mesma dos anos anteriores, nem os filhos imaginariam que, uns meses depois o cancro levá-la-ia para o céu.
O ano seguinte, não foi igual aos anteriores.
Mas nasceram duas meninas, os sapatos voltaram para o fogão e à meia-noite fechavam-se as portas da sala para que cada um dos adultos fosse pôr os presentes para toda a família.
As quatro crianças eram as primeiras que procuravam o seu sapatinho e levavam os presentes para a sala.
O Natal era deles.
Sentia-se a falta da mãe, da esposa, da avó.
A vida vive-se com a saudade e a recordação de muitos Natais lindos e alegres que esta família teve em casa de uma família amiga.
Os bailes que se faziam, as risadas e as brincadeiras até de madrugada.
Éramos adolescentes.
Estes adolescentes foram pais e são agora avós.
A tradição repete-se.
São agora os sobrinhos netos que trazem alegria ao nosso Natal.
Mas nunca mais ninguém vestiu-se de Pai Natal.